Em tempos em que a economia enfrenta desafios complexos, é válida uma reflexão daqueles que mais empregam e geram renda no país. Ainda mais agora, no início de um ano eleitoral e a poucos dias do retorno das atividades do Congresso Nacional. Chamamos a atenção para importância do falar e do ouvir. E aí é preciso lançar luz sobre a crescente lacuna entre o Governo e o setor de comércio e serviços.

Não que não haja intersecção entre essas instituições. A relação, por exemplo, entre a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), principal entidade do setor no Brasil, e o Ministério do Desenvolvimento da Indústria, Comércio e Serviços tem sido harmoniosa e proveitosa, seja na participação da Confederação em conselhos consultivos da pasta, ou na contribuição do ministério em eventos de interesse mútuo. O mesmo vale para as parcerias e projetos desenvolvidos entre a CNDL e o Sebrae, que capacitaram e formaram lideranças em todo o Brasil.

Mas não é segredo que a falta de interação entre as autoridades governamentais e as entidades representativas do comércio e serviços têm levado a decisões que muitas vezes não respondem às necessidades das pequenas e médias empresas e tão pouco atacam os problemas enfrentados por quem trabalha e empreende no Brasil.

Tomemos como exemplo uma questão nevrálgica: a Reforma Trabalhista. Apesar da legislação aprovada em 2017 – fruto de uma discussão profunda da sociedade – ter trazido ganhos inegáveis no mercado de trabalho, como a redução dos processos judiciais, o aumento do empreendedorismo e o maior crescimento de empregos com carteira assinada, ainda hoje somos surpreendidos por ações unilaterais que põem em risco a segurança jurídica dos empresários e a estabilidade dos trabalhadores.

Foi o caso, por exemplo, da ruidosa portaria do Ministério do Trabalho, editada em novembro último, que retirou do comércio em geral a autorização permanente para o trabalho aos feriados. A medida derrubava uma portaria de 2021 que liberava de forma irrestrita e permanente o trabalho para 70 categorias.

A decisão do Ministério, que foi tomada na base da canetada, sem qualquer consulta do setor varejista e às vésperas de um feriado nacional, provocou mal-estar e desconfiança entre os empresários. Um desgaste desnecessário que seria evitado com uma simples consulta para as partes envolvidas, que obviamente não se restringem ao trabalhador e ao sindicato.

Ainda que a pasta tenha voltado atrás e prometido entregar uma nova versão do documento (a ver), o gesto foi de descaso e certo desprezo pelo setor empresarial. Nesta quarta-feira (31), passados três meses desde a publicação da Portaria, o ministro do Trabalho recebeu, pela primeira vez, representantes das maiores entidades do setor de comércio e serviços do país. O gesto, que poderia ser de entendimento e aproximação, se restringiu a um protocolar lavar de mão do ministro, que relegou, mais uma vez, a redação da nova Portaria aos sindicatos.

No Congresso Nacional, o setor de comércio e serviços também tem enfrentado uma condição de segundo plano e sido forçado a atuar mais reativamente que de maneira propositiva. No ano passado, alegando pressa e urgência, as propostas em torno da Reforma Tributária, que deveriam ser criteriosas e universais, passaram no afogadilho e sem debate aprofundado. O argumento era que as chamadas Leis Complementares da Reforma ajustariam as arestas da nova Lei.

Uma vez aprovada, o Governo Federal instituiu 19 grupos técnicos (GT) com escopos específicos, voltados à regulamentação de temas como a administração do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

É verdade que os GTs poderão e devem convidar entidades como as do setor de comércio e serviços para participar dos debates, mas a entidades só terão acesso ao teor das minutas quando estas forem apresentadas no Congresso Nacional, momento em que os canais para a discussão são mais estreitos e imprevisíveis.

É preocupante que o governo, que tomou posse em 2023 com o discurso de união, pluralidade e diálogo, tenha, ao final de um ano, mostrado tão poucos ouvidos para um setor da relevância do comércio, do varejo e dos serviços.

O presidente Lula, que em seus dois primeiros mandatos mostrou ser um político habilidoso, maleável e atento às mais variadas camadas da sociedade, certamente sabe que a ausência de comunicação efetiva não apenas prejudica o setor produtivo, como também coloca em risco o desenvolvimento político e econômico do país como um todo.

O diálogo é uma ferramenta poderosa. É o canal ideal para entender as necessidades, desafios e aspirações das mais variados camadas da sociedade e, mais importante, legitimar e pacificar as tomadas de decisão. Só assim é possível garantir que as políticas públicas governamentais sejam realistas, aplicáveis e benéficas para todos.

José César da Costa
Presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas

Fonte: http://fcdlesp.org.br/dialogo-politica-e-desenvolvimento/

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